Durante aproximadamente 300 anos, ser negro no
Brasil significou oficialmente ser condenado - sem direito à defesa - à
subjugação, à opressão e a um conjunto permanente de violências morais, físicas
e psicológicas. Pelo regime escravocrata, que vigorou no país entre o período
colonial e o final do Império, o povo negro foi transformado legalmente em
propriedade privada dos grandes fazendeiros do país e eram obrigados a morar
confinados em alojamentos rústicos. Nas senzalas, os negros dormiam diretamente
no chão ou sob palhas. Eles só podiam sair dali para duas atividades: trabalhar
ou apanhar. Apanhar de chicote aliás era algo tão rotineiro como trabalhar para
eles. Em frente a cada senzala, havia um tronco, o simbólico pelourinho, que era
utilizado para amarrar os escravos e surrá-los diante da constatação, pelos
senhores de engenho, de qualquer discordância ou desobediência. Para exemplar o
coletivo, os açoites ocorriam diante dos olhos de todos os demais trabalhadores
negros da comunidade, que não tinham direito nenhum a não ser trabalhar em
jornadas desumanas sem reclamar. O líder negro Zumbi, que ousou liderar uma
rebelião contra a barbárie, foi perseguido, assassinado no dia 20 de novembro de
1695 e teve a sua cabeça exposta em praça pública como sinal de terror.
É dolorido, é revoltante, mas é imperioso
resgatar que esta cruel realidade correspondia ao dia a dia do povo negro no
Brasil nos idos dos anos 1600, 1700 e 1800. No nosso Brasil, na nossa terra. A
saudada abolição da escravatura, ocorrida com a assinatura da Lei Áurea em 1888
pela Princesa Isabel, só resolveu em parte a estigmatização dos negros
brasileiros. Pra ser condizente com a realidade dos fatos, a Lei Áurea acabou
com a escravidão de fato, mas não com a escravidão moderna, que de forma
subliminar, indireta ou “às sombras” subjuga os afrodescendentes até os dias
atuais. Por termos passado por três séculos de escravidão oficial e tantas
outras décadas de opressão informal, é que hoje, mesmo com o começar de diversas
políticas de igualdade e de ações afirmativas, como o transformador Programa
Universidade para Todos (ProUni) - que reserva cotas para estudantes negros e
indígenas -, ainda vislumbramos um número inferior ao ideal de negros nas
escolas, nas universidades e no mercado de trabalho. Para revertemos de vez este
quadro, que gradualmente vem mudando para melhor, é que anualmente comemoramos
com vigor a Semana da Consciência Negra, que neste ano foi encerrada na última
terça-feira. As atividades da semana em todo país, além de resgatar a trajetória
de resistência dos negros no Brasil, reforçam aquilo que o preconceito arraigado
em alguns ainda impede de ser observado: as políticas afirmativas, implantadas
há pouco tempo no país, mas já responsáveis por resultados positivos, fazem bem
para o conjunto da sociedade e não só para os negros. Que país ou nação vai se
desenvolver de forma global mantendo excluída a maior parte do seu povo, que é
justamente o povo negro? Que país vai ter uma educação melhor marginalizando o
acesso da maior parte do seu povo às escolas, aos cursos técnicos e
universidades? A segregação e o apartheid, mesmo que não institucionalizados
como na África do Sul, jamais enriquecerão um povo seja moralmente, seja
materialmente.
Portanto, todo apoio às cotas e as políticas
afirmativas e de inclusão e igualdade social. Saímos do tempo da chibata e do
pelourinho e chegamos à época do ProUni, mas ainda temos muitas ações para fazer
e muitos preconceitos a quebrar até conquistarmos uma sociedade que não valore
seres humanos por serem brancos, negros ou pardos. Assim como Martin Luther King
sonhou, todos temos que sonhar e buscar ver nossos filhos julgados por sua
personalidade e não pela cor da sua pele.
*deputado estadual
FONTE: Canguçu em foco
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